
A receita…
Simulação – Para provar que letras não claras nas prescrições e a não checagem das mesmas pelo farmacêutico são uma combinação explosiva, Palhano realizou, em outubro de 1985, uma pesquisa com os seus alunos de Deontologia e Legislação Farmacêutica do primeiro ano do curso de Farmácia da UFRN. Para tanto, simularam uma receita completamente absurda. O professor pediu aos alunos que escrevessem, em meia folha de papel tamanho ofício e sem timbre algum, como se prescrevessem, três nomes de medicamentos inexistentes, inventados, na hora. E, para ser bem incisivo, pediu que os estudantes usassem garranchos totalmente incompreensíveis (ver receita digitalizada, nesta página). A receita simulada levava a assinatura incompreensível de um médico, também inexistente, cujo CRM tinha o número 81686. À época, Natal tinha cerca de 3 mil médicos. Os estudantes foram a 40 diferentes estabelecimentos, entre farmácias e drogarias, e apresentaram a receita. Pasmem, leitores: venderam-lhes 47 unidades de 17 diferentes medicamentos, entre vitamina E e antibióticos, além de outros com as mais variadas indicações terapêuticas. E mais: nenhum estabelecimento rejeitou a falsa receita.
“A intenção da pesquisa foi checar os estabelecimentos farmacêuticos”, argumenta Tarcísio Palhano. Em tempo: antes de aplicar a pesquisa, o farmacêutico foi aos Conselhos Regionais de Farmácia e de Medicina do Rio Grande do Norte aos quais falou da pesquisa e apresentou a receita simulada. Perguntou aos órgãos se havia algum impedimento ético em sua realização e recebeu destes a autorização para tal. “Os farmacêuticos das farmácias e drogarias pesquisadas erraram, porque não estavam presentes aos estabelecimentos, ou porque não checaram a receita (simulada), deixando passar uma estapafúrdia daquela”, denunciou o Dr. Tarcísio Palhano Numa outra ocasião, Palhano levou algumas receitas que chegaram à farmácia do Hospital Universitário para que os próprios médicos e professores de Medicina as decifrassem, durante uma das aulas que ministrava sobre erros. Ninguém conseguiu. Os erros não ficaram resumidos às letras ininteligíveis. Outros erros tiveram origens diferentes, envolvendo a dispensação e a administração. Erros, ainda, quanto à escolha equivocada da dose e do próprio medicamento prescrito, relacionados a interações e incompatibilidades de importância clínica. “É preciso investir na formação dos alunos de Medicina, Farmácia e Enfermagem com conteúdos relativos ao medicamento, através de disciplinas como Farmacologia e Terapêutica”, apelou o professor Palhano. Esperança – Mas há um fio de luz que aponta para mudanças nesse contexto e para uma esperança de melhoria. Quem traz a luz são os profissionais das três áreas envolvendo erros de medicação e que vêm se dedicando obsessivamente a estudar o fenômeno, com o objetivo de contribuir para um novo olhar sobre o problema.
Fonte Revista Farmácia Brasileira nº 49, 2005
Complemento.
Decreto Federal 20.931 / 32:
– art. 15 ” São deveres do médico: b) escrever as receitas por extenso, legivelmente, em vernáculo, nelas indicando o uso interno ou externo dos medicamentos, o nome e a residência do doente, bem como a própria residência ou consultório.”
Lei 5991/75:
– art. 35 ” Somente será aviada a receita: a) que estiver escrita a tinta, em vernáculo, por extenso e de modo legível, observados a nomenclatura e o sistema de pesos e medidas oficiais; b) que contiver o nome e o endereço residencial do paciente e, expressamente, o modo de usar a medicação; c) que contiver a data e a assinatura do profissional, endereço do consultório ou da residência, e o número de inscrição no respectivo Conselho profissional.
Código Civil Brasileiro:
– art. 1545 “Os médicos, cirurgiões, farmacêuticos, parteiras e dentistas são obrigados a satisfazer o dano, sempre que da imprudência, negligência ou imperícia, em atos profissionais, resultar morte, inabilitação de servir ou ferimento.”
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É certo que toda regra tem sua exceção, mas, a verdade é que a maioria dos médicos possui uma caligrafia bastante difícil de ser compreendida.
Teoricamente, quem consegue “decifrar” o que está escrito nas receitas médicas são os farmacêuticos e os balconistas. Mesmo sendo a parte mais interessada no assumo (pois é sua saúde que está em risco), o paciente quase sempre depende da boa vontade desses profissionais de farmácia, que, mais do que qualquer outro, precisam conhecer muito bem o que vendem. Além disso, essa é uma relação de consumo em que a confiança do paciente – no médico, no farmacêutico ou no balconista – e a responsabilidade desses mesmos profissionais são fundamentais.