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A velha casa, da esquina, na praça, no centro

A velha casa, da esquina, na praça, no centro.
Por: Robson Moraes Almeida

Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança referente a nomes, acontecimentos, situações e ou qualquer detalhe, é mera coincidência.

“Tá vendo aquele edifício moço…”, assim começava a canção que me fez escrever este texto.
A mais moderna residência daquela época, passou a ser o imóvel mais antigo da cidade. Visto por muitas pessoas.

Pois ali estava imponente, no centro daquela cidade. Movimentada e progressista, com seus 35 mil habitantes. A casa ali permanecida sobe os olhares de uma população que pouco sabia de tanta coisa que ali teria acontecido. A casa foi construída em cima de um terreno pisoteado pelo gado, foi bem feita. Com pedras buscadas na fazenda dos Goes, no pé da serra, trazidas por carro de boi da fazenda dos Lopes. Detalhada e acompanhada pelo engenheiro Manoel, experiente mestre de obras, filho de maçom, e que por sorte tinha estudado na cidade do Rio de Janeiro. O banheiro era dentro de casa, moderno para aquela época, era afastado da cozinha, e tinha e tem até hoje uma grande banheira que recebia água quente para banhos demorados e descansantes do patriarca da casa. Sem uma pintura ou digamos reforma, desde 2001. As janelas viradas para a rua. Uma grande varanda de entrada com uma porta de Jacarandá, firme e forte lá. O assoalho era de taboa corrida não sei precisar qual madeira, talvez cedro, mas o mais provável, peroba. Os rangidos das madeiras eram assustadores para os visitantes da casa. Tudo isso ainda permanece. A horta tinha um chiqueiro, que mesmo com o cheiro terrível que o mesmo proporcionava, nunca teve uma só sequer reclamação a respeito. Acho que toda a vizinhança tinha chiqueiro. Era comum na época. O chiqueiro acabou na década de 80. Aquelas telhas de cerâmica foram feitas no barreado do Mario Fernandes, vindo de Monte Carmelo e aqui fixou moradia. Na parte mais alta da fachada, em letras bem grossas e estilosas para a época tinham os dizeres: Figueiredos 1940. No telhado voavam e ali faziam morada vários casais de pombos de raça dentre eles, os de rabo aberto e empinado, e os de pés cheios de penas. Não me lembro o nome das raças, mas vinham da família dos Antunes, que eram criadores de pombos correios.

Jorge nasceu lá, em um quarto no fundo. Não deu tempo de levar Mariana sua Mãe para a parteira, a parteira veio até ela. Ali nasceu. Ali ele brincou até seus 12 anos. Ali morreria aos 13 anos envenenado acidentalmente por veneno para matar rato. Por ironia do destino. Ali nasceu e ali morreu. Dizem as lendas que Marcelo, seu pai teria engravidado Mariana naquele mesmo quarto. Isso nunca foi confirmado, Mariana era muito tímida e nunca dava trela para sequência deste assunto que para ela não tinha relevância nenhuma. Marcelo perdeu tudo na geada de 1965, teve então que vender a casa para pagar dívidas contraídas ao Banco da Capital para custear a plantação do café. Pra ele vender as terras da fazenda era fora de questão, preferiu então vender a casa. A casa passou a ser dos Moura, que recentemente tinha se formado em odontologia em Alfenas. Naquela salinha bege, muitos sorrisos foram corrigidos com dentaduras de dentes esculpidos a mão, super brancos para a época. O filho único do Doutor Moura Dentista, viveu as custas do pai, era um playboyzinho para a época. Gostava de cavalos. Morreu ainda jovem aos 21 anos de uma queda de cavalo perto do ribeirão das abelhas sem ter trabalhado um único dia sequer. Voltando a Mariana, a mãe do falecido jovem Jorge, esposa do Fazendeiro Marcelo, Mariana era costureira mais renomada da cidade. Era muito lenta e caprichosa, fazia pouquíssimas roupas e eram somente para a alta sociedade. Mesmo sem precisar cobrava valores vultuosos. Mesmo não precisando de dinheiro nenhum. Doava todo o recebido em seu mister de costureira, para o asilo da cidade. Morreu na década de 80 de motivos naturais. Segundo dizem, o cortejo maior já acontecido na cidade até então. Com um bumbo de fanfarra, batendo com um som forte e com grandes intervalos de aproximadamente 2 minutos cada TUUM! Com direito a acompanhamento do padre com batina e tudo! Dali o cortejo subiu rua acima e foi até a igreja, e depois voltou e foi até o cemitério. O cemitério era bem no centro, pouco tempo depois foi desativado e deu espaço para uma grande escola estadual de primeiro grau, muitos eram os relatos das cantineiras de vultos e almas penadas que as incomodavam durante seus dias de trabalho.

Dizem que devido a esterco dos porcos, os pés de couve plantados na casa eram gigantescos. Estes eram tão famosos e de extremo orgulho familiar. Diziam que na mesa da sala, tinha uma cópia de um antigo jornal e de fotos preto e branco da década de 50 – 60. Esta situação somente era possível, devido ao interesse de um jornal da capital pelo gigantismo da folhagem desconhecida pelos burgueses da época. Ali do lado, foi a mercearia do Pirapora, nome assim dado ao Pedro Paulo, vindo fugido segundo dizem da cidade de Pirapora, depois de ter matado um jagunço de um coronel da região. Dr. Antônio, ouviu e guardou para si, durante muito tempo, as lucidas aventuras e histórias contadas pelo Pirapora no seu leito de morte, mazelas e desmandos de sua vida.

Na década de 2000, um carro dirigido pelo então filho do prefeito Gelderlan, teria batido violentamente na esquina, a casa lá ficou praticamente intacta. O carro deu perda total pois capotou em seguida. Se não me engano era um Ford Verona preto. O prefeito tratou logo de honrar em bom tom de voz, igual aos dos seus discursos políticos, que arcaria com todas as despesas para o conserto da casa. A casa não tinha se estragado. Ele pagou um pintor que deu um retoque na velha pintura. Dizem que a diferença na pintura, levou a reforma de 2001. Um Jeep azul apareceu em algumas fotos da época na frente desta casa. Nada se sabe do paradeiro deste Jeep e nem de quem era seu proprietário. Um verdadeiro mistério.

Os aposentados que na outra esquina da praça aproveitavam seu tempo com jogos de tabuleiro as terças e as sextas, e de baralhos nas segundas e quintas, sempre relatavam ouvir coisas devido a individualidade de cada um, palpites do fim que deveria se ter aquela casa:

Por que não joga esta casa velha no chão?
Por que não transformam esta casa em patrimônio da cidade?
Por que não faz uma casa nova neste lugar?
A prefeitura devia comprar esta casa e fazer aqui um museu!
Por que não faz uma loja?
Por que não faz um prédio novo e moderno?
Por que não vende isso?

Imagine então, aparecer um senhor desconhecido, que agachado como um caipira, segurando um canivete e picando seu fumo de rolo para empalhar com a selecionada folha de espiga de milho de pipoca que já descansava na sua orelha. Num relampejo de tempo, ouvir todas estas histórias riquíssimas de detalhes. O operador da máquina escavadeira que ia demolir a casa, em um relance de pensamento, deixou para demolir a casa no dia seguinte. Pensou ele, vou trazer uma máquina maior e mais forte!

A última foto daquela casa não seria então com o Jeep misterioso, mas com uma máquina retro escavadeira que seria usada para a sua demolição. A foto foi até tirada, mas a casa não foi demolida. Na frente da máquina uma parte de um Jeep. Não sei até quando a casa irá ficar de pé. Jorge aparecerá quantas vezes for necessário para atormentar o pensamento de qualquer um que queira demolir aquela casa. Assim escrevi, corrigi, adequei e guardei. A casa está de pé, na esquina, na praça, no centro!

Robson 15/11/2017.

Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança referente a nomes, acontecimentos, situações e ou qualquer detalhe, é mera coincidência.


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