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Mistério no Cemitério que virou Escola

O planejamento em longo prazo é um assunto espinhoso, pois a memória insiste em nos preservar de possíveis traumas. No inicio, o interior de Minas Gerais era formado por pequeníssimos povoados que eram fundados em torno das comarcas que abrigavam as primeiras autarquias estabelecidas. Os cemitérios eram construídos nas margens do perímetro urbano que se restringia em algumas dezenas de ruas em torno da igreja matriz.

Pois bem. Com o passar das décadas a população foi crescendo e o cemitério de Boa Esperança já estava dentro da cidade, circundado por casas e comércio. No final dos anos 50, uma gloriosa campanha promovida pela população local culminou com a transferência do cemitério para fora do perímetro urbano, no alto do morro da Saudade.

A desocupação do antigo cemitério foi um evento surreal que despertou na época, fantasias funestas, sombrias e por que não hilárias. No terreno desocupado, foram construídas duas instituições de ensino. O colégio Padre Júlio Maria que é mantido pelas Irmãs Sacramentinas e a Escola Estadual Belmiro Braga, que ficava na parte mais alta do terreno.

Na idade de seis anos fui matriculado no Belmiro Braga. A escola dispunha de um belo pátio com várias árvores. Os destaques eram um frondoso pé de flamboiam e alguns pinheiros. Essa escola fazia divisa aos fundos com várias casas. Nos intervalos para o recreio inventávamos muitas brincadeiras e uma delas era cavar buracos no chão, transportar terra de um ponto para outro e plantar as sementes dos pinhões que caiam sobre o chão.

Em nossas escavações começamos a encontrar diversos ossos. Vários tipos de ossos. O clima na escola começou a ficar misterioso. Além dos ossos, começamos a encontrar carcaças de coelhos. Várias carcaças. Algumas cabeças e às vezes as barrigadas dispostas de forma simétrica, bem no fundo da escola.

O assunto nas rodinhas de alunos era recorrente. Qual a origem de tantos ossos e por que tantos coelhos assassinados? A situação ficou mais tensa quando um grupo de meninas saiu do banheiro correndo e gritando aos prantos. Elas avistaram a suposta “Mulher de Algodão”, um espírito branco que rondava os banheiros das meninas.

Uma onda de visagens passou a acontecer com freqüência. Para piorar a situação, uma noticia aterrorizante passou a circular na mídia. Um quadro de um menino chorando que quando invertido de ponta cabeça dava a impressão de que a criança estava sendo engolida por uma criatura demoníaca. Comentei em casa com a minha mãe sobre os ossos que estavam sendo encontrados e ela me fez uma revelação estarrecedora:

– Ali onde é a escola já foi um cemitério e a sua avó foi sepultada lá. Pronto, estava armado o circo do terror. Ir para a escola era um ato antes de tudo, de bravura. Antes do início das aulas íamos para o pátio ouvir os hinos nacional, independência e da bandeira que era estiada com muito civismo. Na fila durante os hinos era visível que meus colegas estavam receosos e preocupados esperando pela novidade do dia. Seria um osso da clavícula ou da perna? Quantos coelhos encontrariam mortos? A mulher de algodão também iria assombrar o banheiro dos meninos? Foi um tempo mágico onde fomos impulsionados a entender melhor nossas origens, compreender que além da forma física havia outras formas de manifestação de consciência.

Éramos muito crianças e fomos marcados para sempre por esses eventos misteriosos e divinos.

Texto: Lucas Virgolino.


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